Algemas nos punhos dos outros é refresco!
É constante às reiteráveis violações às garantias do advogado e de acusados, no exercício do direito de defesa, a Comissão de Constituição e Justiça do Senado convocou, no dia 2 de julho deste ano, audiência pública para debater o Projeto de Lei 83/08, que criminaliza a violação de qualquer uma das prerrogativas estabelecida no artigo 7° da Lei 8.906/94.
Mas, por favor alguém me explique, porque houve uma verdadeira convenção de juízes, promotores e delegados contra a aprovação do referido projeto.
Assim sendo, é evidente a insatisfação daquelas autoridades de estarem ali discutindo a possibilidade de se aprovar um projeto de lei daquele tipo.
Um nobre membro do Ministério Público invocou o artigo 6° do Estatuto dos Advogados para lembrar que “não há hierarquia nem subordinação entre advogados, magistrados e membros do Ministério Público”.
Com toda razão! Mas, surge algumas perguntas — que permanece sem respostas,,,
1. Por que o Ministério Público senta à direita do magistrado nas audiências e ambos ficam acima do advogado?
2. Por que o Ministério Público pode ter acesso a todas as provas — mormente aquelas decorrentes de medidas cautelares — e o advogado, mesmo com procuração, tem que ter o pedido deferido pelo magistrado?.
3. Por que o Ministério Público pode ter acesso quando bem entender, e pelo tempo que julgar necessário, a todo tipo de processo, enquanto o advogado só pode ter acesso a processos em que tenha procuração, quando o Juiz conceder e pelo prazo por ele estabelecido?
4. Por que promotores e magistrados podem circular livremente pelos Tribunais, no horário que for preciso, enquanto os advogados só podem circular em horário de expediente, a todo o momento se identificando com a carteira profissional, sem falar no famigerado raio-x?
5. Por que os advogados suam para serem recebidos pelos magistrados para explicar alguma particularidade de um determinado caso, enquanto as portas do Judiciário estão sempre abertas para o Parquet?
Não são todos hierarquicamente iguais e sem subordinação?
De outra banda, um delegado da Polícia afirmou que “o Direito Penal tem que ser usado para trazer paz social e, nesse caso, só traz conflitos”. A autoridade policial criticou ainda a postura de uma “minoria de advogados” que “no afã de exercer seus direitos, não compreendem as necessidades dos outros profissionais”.
Sem dúvida, o Direito Penal tem que ser utilizado como a ultima ratio do legislador, na busca pela paz social. Mas se se chegou a este ponto, de ter de criminalizar a violação das prerrogativas do advogado, é porque a mera menção destas garantias na lei federal já não se mostra mais suficiente.
Será que os delegados entendem a necessidade que o advogado tem de falar com o seu cliente no momento em que este foi preso, em local reservado, antes de ser levado para prestar depoimento perante a autoridade policial? Será que é compreensível que o advogado tem necessidade de visitar o seu cliente, independente da hora e do local onde ele estiver preso e que este contato deve ser pessoal e com toda a privacidade que o exercício do múnus público exige para a espécie?
Será que eles não compreendem a necessidade que os advogados têm de fazer outras coisas, de cuidarem de seus outros processos e não podem ficar três, quatro, cinco horas esperando para falar com seu cliente que está preso? Será que alguém entende que o advogado também tem necessidade de conviver com sua família e não pode ficar até as duas horas da manhã, dentro do presídio, esperando cumprir o alvará de soltura de seu cliente, de uma decisão que saiu às duas da tarde?
Será que a autoridade policial entende a necessidade que o advogado tem de ter acesso a todas as provas e documentos que embasaram as investigações contra o seu cliente e que constam do inquérito? Será que eles compreendem que o advogado tem necessidade de trabalhar e tudo o que ele quer é ter a certeza de que terá a suas prerrogativas respeitadas?
Pelo que se tem observado no dia a dia, a respostas para essas perguntas é “NÃO”...
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Já em outro momento da audiência pública, um magistrado sugeriu que mais poderes deveriam ser dados aos juízes e não aos advogados, eis que “quem milita no Judiciário sabe que o mais difícil é cumprir as decisões judiciais. O juiz não tem mecanismos para fazer valer sua decisão de forma coercitiva”.
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Data maxima venia, dar mais poderes ao juiz seria aprofundar ainda mais o abismo que existe entre a toga e o advogado. Ao contrário do que afirmar Sua Excelência, o juiz tem inúmeras formas de fazer cumprir sua decisão, inclusive expedindo mandado de prisão. Já o advogado, muitas vezes, luta desarmado para fazer cumprir uma liminar concedida.
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O cenário, na verdade, é de um desfecho às avessas da luta entre Davi e Golias, sendo que neste caso Davi, com um graveto, enfrenta um gigante modernamente equipado. Pergunte a um advogado como ele se sente ao entrar em qualquer cartório do Fórum e deparar com uma placa ostensiva relembrando-o do “poder” concedido ao funcionário público pelo artigo 331 do Código Penal.
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Outro comentário que chamou atenção, feito por um magistrado, foi o de que seria necessário mais “civilização” no debate de novas leis penais. Com toda razão! É preciso lembrar sempre que o Direito Penal tem caráter fragmentário, ou seja, só pode ser acionado naqueles casos em que outros ramos do direito falharam ou se mostram insuficientes para coibir determinadas condutas contrárias à paz social.
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Deveria ter sido debatida a Lei Seca com um cidadão que passou anos de sua vida estudando e foi pego em uma blitz após tomar uma taça de vinho com sua namorada.
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Da mesma forma, deveria ser debatido com um usuário de droga o artigo 44 da Lei 11.343/06 — que veda a concessão de liberdade provisória — depois que ele foi pego fumando um cigarro de maconha e acabou acusado de tráfico de entorpecentes, só vindo a ser libertado da cadeia após seis meses, quando finalmente absolveram-no.
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Pergunte a um indivíduo, que foi absolvido, como é ser preso, exposto às câmeras e “humilhado em praça pública”, durante uma das megapirotécnicas operações policiais.
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São perguntas que mereceriam ser feitas e suas respostas deveriam ser ouvidas...
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Por fim, algumas autoridades argumentaram nessa audiência pública que já existem as corregedorias, os conselhos e a Lei de Abuso de Autoridade e que não há necessidade de só a classe dos advogados ter direito a uma lei sobre suas prerrogativas.
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Com todo respeito, há sim! Porque os conselhos, as corregedorias e a Lei de Abuso de Autoridade não tem sido suficiente para coibir as flagrantes e reiteradas violações que vem acontecendo ao Estado Democrático de Direito. Se fossem, não estaria sendo necessário ter esta discussão no Congresso Nacional.
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Se médicos, engenheiros e arquitetos não estão lutando para ter uma lei que preserve as suas prerrogativas é porque elas não estão sendo violadas, como vem acontecendo com os advogados.
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Na verdade, infelizmente, o que se viu nessa audiência pública da Comissão de Constituição e Justiça do Senado foi uma declaração, ou melhor, uma confissão expressa de que as prerrogativas dos advogados estão sim sendo violadas e, pior, assim querem que permaneça sendo!
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Não há outra justificativa para tantos magistrados, promotores e delegados terem se reunido para protestarem contra o PL 83/08. É triste, mas este é um retrato do que vem acontecendo em alguns tribunais, delegacias e demais órgãos de persecução.
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A nós, advogados, resta apenas aplaudir a atitude do Congresso Nacional de convocar a referida audiência pública e torcer para que os senadores e demais parlamentares não se curvem diante da pressão e prestigiem, ao final, a todos os cidadãos e o Estado de Direito, com a aprovação do referido projeto de lei!
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Robson.